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vilas pioneiras
RESISTÊNCIA CANDANGA
Moradores dos primeiros acampamentos da cidade transformam em definitivo o que era para ser provisório
Marcelo Rocha
da equipe do Correio
Jefferson Rudy |
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A professora Wanda Corso chegou à Vila Planalto em 1957: lembranças da vida pacata e do cerrado intacto do acampamento. |
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Longe se avistava o pau-de-arara rasgar o cerrado. Sobre a poeira, um avião cruzava o céu da futura capital. Engenheiros, técnicos e operários desembarcaram na mesma terra nua, sem distinção. Mais velhos do que a própria Brasília, os acampamentos das empreiteiras serviram de moradia para essa gente. Logo, estavam todos apinhados. As edificações em madeira, relembram os pioneiros, mal conseguiam barrar o frio da época. Quando chovia, o barro vermelho enlameava os barracos. Ali, a história da cidade começou a ser escrita. E o que nasceu para ser provisório acabou definitivo, por vontade dos que tiveram nesses lugares o primeiro endereço no Planalto.
Depois de presenciar cada pedaço de prédio erguido, quem aqui chegou em busca de vida melhor, de trabalho, recusou-se a dar um passo atrás. ‘‘Depois de tanta luta, não era justo mandar esse povo todo embora’’, diz Clementino Cândido, 72 anos. Mineiro de Rio Casca, o operário veio no Natal de 1957 para o acampamento Rabello, lugar que viria a fazer parte da Vila Planalto. Trabalhou nas obras do Palácio da Alvorada. Era natural que pioneiros como ele criassem identidade e apego pelo sonho feito concreto. Em meio à construção, havia ali a história pessoal e as conquistas de cada um.
Passados 43 anos da inauguração, os antigos acampamentos se transformaram em áreas urbanas comuns. Enfrentam problemas que acometem outras comunidades, como a violência urbana e a invasão de áreas públicas. Do período pré-inaugural, pouco resta. Por falta de preservação e manutenção, as edificações ruíram uma a uma. Resistem ao tempo nas narrativas dos pioneiros que ainda habitam a Vila Planalto, a Vila Telebrasília (o antigo acampamento Camargo Corrêa) ou o Núcleo Bandeirante (a Cidade Livre). De pessoas que falam com orgulho do lugar onde vivem. Pois para eles, tudo é Brasília.
Divulgação |
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A Vila Planalto resistiu ao crescimento da cidade: na década de 70 (no alto), as ruas de terra eram características. Nos anos 80 (E), as casas de madeira ainda eram maioria. Em 1995, o asfalto e a alvenaria dominaram a paisagem. |
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TESTEMUNHAS DA HISTÓRIA
O ritmo de vida ainda é pacato, mas a Vila Planalto das lembranças da professora Wanda Clementina Dias Corso, 77 anos, há muito se foi. ‘‘É uma pena, mas Brasília não conseguiu manter de pé as testemunhas de sua história’’, lamenta. Em 1957, a família Corso chegou de Belo Horizonte (MG) para habitar uma das casas simples de madeira do acampamento Rabello. Nelson, marido de Wanda, era mestre-de-obras e trabalhou nos canteiros de obra dos palácios do Alvorada e Planalto e do Teatro Nacional.
A pioneira, mãe de três filhos, recorda ter encontrado um cerrado ainda praticamente intacto. Um dos passatempos nas horas de folga era catar flores nativas. Mas a novidade tinha lá sua face desoladora. Ela lembra que a poeira era grande e incomodava muito. Também faltava comida nas vendas. ‘‘Mas havia a esperança de que tudo um dia ia melhorar. A gente formava aqui uma grande família, todo mundo se ajudava’’, conta a professora.
Enquanto o marido Nelson erguia palácios, Wanda lecionava para crianças e adultos da construtora Rabello na primeira escola de Brasília, localizada na vila. Com muita tristeza, viu o colégio em madeira ruir até se consumir completamente em meados da década passada. Partiu-lhe também o coração assistir à Igreja Nossa Senhora da Pompéia arder em chamas, em incêndio intencional na madrugada da segunda-feira de carnaval de 2000.
Os operários Geraldo Zacarias, 73, e Clementino Cândido, 72, também acompanharam de perto as transformações da vila nos últimos 43 anos. Lamentam que o lugar tenha deixado de ser tão tranqüilo, a ponto de nos idos dos 60 permitir que portas e janelas ficassem abertas. Mas ponderam que não se podia tapar os olhos ao progresso. ‘‘As casas de madeira foram ficando muito vulneráveis e a manutenção, muito cara (os dois vivem de aposentadoria). Acabei transformando tudo para alvenaria’’, explica Geraldo. Na rua em que ele mora, praticamente todas as casas já foram reformadas.
Geraldo e Clementino reconhecem, no entanto, que era preciso preservar os símbolos emblemáticos da história do lugar. Disso, quase nada sobrou. Um conjunto de edificações conhecido como Fazendinha é uma das poucas edificações que resistem ao tempo. São cinco casas grandes — construídas em 1957 — que serviram de residência para engenheiros e pessoal graduado na época da construção. Por ter mantido uso constante, o conjunto da Fazendinha está em melhor estado de conservação. Na década de 80, foi utilizado por ministros como moradia. Hoje, cada uma das casas está ocupada por uma instituição diferente, como a Subadministração Regional do lugar.
A Vila Planalto foi tombada como patrimônio histórico, em 1988, por um decreto do governador José Aparecido, mas pouco adiantou para conservar as suas características originais. As mudanças se aceleraram a partir de 1993, quando as antigas casas em madeira foram pouco a pouco sendo substituídas por construções em alvenaria. Hoje, menos de 10% são em madeira.
Criada em uma área de 310 hectares, onde foram instalados 22 acampamentos das empresas responsáveis pela construção de Brasília, a vila ocupa atualmente apenas 74 hectares. Ficaram apenas sete acampamentos. A vila não é considerada uma cidade, está subordinada à Administração de Brasília. Com cerca de 12 mil habitantes, ela fica bem próxima ao poder. A menos de dois quilômetros dos palácios do Planalto e da Alvorada e da Praça dos Três Poderes.
Fonte: www.correioweb.com.br (21/04/2003)
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